Assim como os humanos podem ajudar na recuperação de traumas em animais, os pets podem desempenhar um papel semelhante, conforme um estudo feito na Universidade do Estado Mato Grosso (Unemat). Em Cuiabá, por exemplo, uma DJ e um fotógrafo encontraram apoio nos seus animais de estimação durante crises de ansiedade.
Segundo a pesquisadora e doutora em estudos de cultura contemporânea da Unemat, Eveline Baptistella, que estuda as relações entre humanos e animais, é comum que animais domesticados ‘copiem’ o comportamento humano. De acordo com o estudo, eles percebem as mudanças de comportamento dos donos e reagem conforme a situação.
“Pessoas costumam pensar nos animais como máquinas programadas e se esquecem das demonstrações de inteligência e personalidade que os próprios animais de estimação dão todos os dias. Cães e gatos aprendem as culturas dos lugares em que vivem, inclusive os códigos de conduta dos seus lares. Então, é natural que alguns repitam ações dos tutores”, disse.
A DJ Ana Carolina de Moraes Guerra da Silva tem dois cachorros: a Zoe, de 7 meses, e o Thor, de 6 anos. Ao g1, ela contou que teve uma forte crise de ansiedade aos 15 anos. Na época, ela estava sozinha em casa com o Thor e foi ele quem a ajudou a recuperar a consciência.
“Tive uma crise e acabei desmaiando na cozinha. Nessa hora, ele ficou pulando em cima de mim, na região peitoral, ficou latindo até eu acordar e só se acalmou quando viu que eu estava consciente. Ele me salvou”, ressaltou.
Ana Carolina de Moraes Guerra da Silva com a Zoe e o Thor.
Já o fotógrafo Emerson da Luz passou por situações semelhantes, só que com gatos de estimação: a Fani, de 1 ano, e o Cookie, que foi resgatado das ruas e tem 2 anos. Ele explicou que encontrou o Cookie já adulto e que, além de tratar os traumas dele, também foi cuidado pelo felino.
“Foram cerca de oito a nove meses para que ele se recuperasse dos traumas e dos ferimentos no corpo, mas dá de perceber que ele me entende. Nos momentos de ansiedade, estar perto dele é o que me acalma”, pontuou.
Relação humanos & pets
A pesquisadora Eveline disse que é comum o hábito dos animais domésticos ‘copiarem’ as atitudes humanas, mas que a prática é pouco conhecida e, por isso, ainda há muitos mitos e verdades relacionados a esse comportamento animal.
Ela explicou que as crenças e superstições levaram muitas pessoas a desenvolverem múltiplos preconceitos com relação aos animais e, nesses casos, os gatos costumam sofrer mais do que os cães.
“Animais frequentemente ajustam seus horários de acordo com os donos, tornando-se diurnos e pedindo comida mais cedo. Isso levou a diversas crenças, especialmente em relação aos gatos, que foram associados a superstições negativas desde a Idade Média, sendo vinculados à bruxaria e ao mal”, relatou.
É uma verdade universalmente reconhecida que muitas pessoas veem cachorros como os seres mais amigáveis e dóceis do reino animal, enquanto os gatos carregam a reputação de serem um pouco mais debochados e frios. No entanto, segundo a pesquisadora, cada animal tem a personalidade própria e nem sempre os estereótipos estão corretos.
“No geral, cães têm habilidades de comunicação mais desenvolvidas quando se trata do relacionamento com humanos, mas há gatos extremamente amorosos e cães que não gostam tanto assim de carinho. É muito complicado atribuir um certo tipo de comportamento a toda uma espécie, pois cada animal tem seu jeito de ser”, ressaltou.
Ainda em entrevista , Eveline contou que há vários estudos que comprovam que os animais entendem os humanos e sabem quando eles querem algo, ou seja, da mesma forma que é possível notar quando os bichos estão com fome ou querem carinho, eles percebem quando os donos estão tristes, doentes e sabem até mesmo diferenciar a forma de tratar um humano de um bebê.
“Eles nos entendem e têm capacidades intelectuais sofisticadas. Os animais têm a capacidade de ver nossos comportamentos e aprendem a partir deles. Então, se somos mais delicados com um bebê, por exemplo, nossos cães e gatos veem aquele comportamento e entendem que ali existe um outro ser que deve ser tratado de forma diferente”, informou.
Comparando-os ao universo humano, os cachorros muitas vezes exibem um comportamento que lembra o das crianças, ansiosos por atenção e carinho, enquanto os gatos, com sua independência e atitude descontraída, parecem ter adotado o espírito rebelde típico dos adolescentes. Conforme a Dr. Baptistella, essa comparação não pode ser generalizada, mas é um ponto divertido de observar as diferentes personalidades que os companheiros peludos podem ter.
“Na minha visão, cada animal tem sua própria individualidade. Podemos considerar alguns cães como adolescentes devido a comportamentos como rosnar quando contrariados, enquanto gatos podem agir como crianças buscando aconchego constante, colo e brincadeiras. A ciência revela avanços significativos na compreensão do comportamento animal, considerando variáveis como personalidade e influências ambientais e sociais”, revelou.
Emerson da Luz com o Cookie
Baseado na análise científica e técnica da pesquisadora, que explica o porquê dos animais se parecerem com os donos, Emerson disse que notou esse hábito após resgatar o Cookie, já que o animal se adaptou à personalidade dele desde que foi achado.
“Encontrei ele todo machucado e como o achei adulto, ele já veio com uma certa educação, mas eu vejo que ele ‘copia’ as coisas de mim, acho nosso jeito bem parecido. Já a Fani é gata de adoção, ela é super carinhosa”, contou.
A DJ Ana Carolina de Moraes Guerra da Silva disse que cada um dos seus cachorros têm sua personalidade, mas, no fundo, os dois têm traços semelhantes aos membros da casa.
“A Zoe é mais parecida comigo, então, assim como eu, ela é bem elétrica, ansiosa e quer tudo na hora dela, se não ela passa o dia todo latindo e resmungando. Já o Thor é mais a minha mãe, bem mais na dele, tranquilo e super dócil. Só que ele tem muito o instinto de proteção, então não é qualquer um que ele deixa chegar perto”, contou.
Raça x Personalidade
Segundo o médico veterinário comportamentalista, Pedro Henrique Sandmann, cães e gatos aprendem associando coisas e, assim, desenvolvem uma compreensão pessoal do mundo e formas de agir com base no que aprenderam enquanto cresciam.
“Geralmente tutores hiper-amorosos possuem animais mais carinhosos e dependentes, assim como tutores agressivos, violentos, desenvolvem animais mais ansiosos. Mas a raça também diz muito sobre uma base da personalidade, pois elas foram criadas por algum motivo específico e, portanto, os animais selecionados para seu desenvolvimento possuíam características em comum”, disse.
O veterinário relatou que a criação desempenha um papel fundamental nas capacidades e habilidades sociais dos animais, já que através da criação os comportamentos positivos ou negativos são reforçados, influenciando a maneira como os animais interagem e, consequentemente, o afeto e a proximidade com os tutores desempenham um papel crucial nesse processo.
Médico veterinário comportamentalista, Pedro Henrique Sandmann .
Sandmann explicou que os animais de estimação que vivem em ambientes domésticos, como casa e quintal, desenvolvem suas personalidades com base na interação com os tutores. Por outro lado, animais de rua têm diferentes fontes de aprendizado, com ênfase em recursos escassos, o que pode resultar em comportamentos mais agressivos.
Cães, devido ao grau mais elevado de domesticação, tendem a se aproximar dos humanos, enquanto gatos podem adotar comportamentos mais selvagens, especialmente em ambientes silenciosos ou agitados.
“A criação é o que realmente determina as capacidades e habilidades de socialização e grande parte da forma de agir do animal. O nível de afeto e proximidade com os tutores influenciam tudo. Os cães, por possuírem um grau de domesticação mais elevado tendem a ficar próximo dos seres humanos, já os gatos podem voltar a um estado mais selvagem, que chamamos de feral, e viver caçando e responder com muito mais hostilidade a aproximação humana”, ressaltou.